O Direito à saúde como prioridade contratual

A Justiça brasileira tem observado os Direitos Fundamentais em casos consumeristas relacionados à saúde. Os processos judiciais, em sua maioria, tratam da relação comercial entre beneficiários e convênios médicos em que cláusulas contratuais são invalidadas em favor do Direito à Saúde e da Dignidade da Pessoa Humana – conceitos claramente abordados pela Constituição Federal.

Há 10 anos, atuo em casos relacionados à assistência de planos de saúde a clientes portadores do espectro do autismo. A negativa ou limitação do tratamento prescrito por especialistas é recorrente, entretanto a jurisprudência advoga em favor dos que necessitam de cuidados específicos à saúde. E os magistrados, sobretudo após o Código Civil de 2002, têm concedido sentenças favoráveis aos pacientes.

“Saliento que as cláusulas contratuais que impeçam o cumprimento da função social do contrato de saúde, devem ser consideradas nulas de pleno direito, não só por infringir todo o sistema de defesa do consumidor, deixando-o em desvantagem extrema, mas também por atacar direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, o direito a saúde, a qualidade de vida”, afirmou a juíza Beatriz Martins de Almeida Alves Dias, em decisão de um processo que patrocinei.

O argumento recorrente da negativa de planos de saúde é de que, contratualmente, alguns procedimentos como terapia ocupacional, por exemplo, são limitados a um número x de sessões. Ou ainda, o convênio simplesmente não oferece cobertura alguma para o tratamento prescrito pelo médico e, tampouco, aceita reembolsar o cliente que busca o atendimento particular por falta de opção. Argumentos já superados em diversas decisões judiciais.

No julgamento de outra ação, a juíza Mariana Teixeira Lopes sentenciou operadora de plano de saúde a custear integralmente o tratamento de uma criança com síndrome do espectro do autismo, oferecendo o serviço por meio de rede credenciada ou reembolsando os titulares do convênio se o único meio de atendimento fosse particular.

“Com efeito, não se pode olvidar que a vida e a saúde das pessoas são bens jurídicos de valor inestimável e, por isso mesmo, tutelados pela Constituição Federal (artigos 196 e seguintes), não podendo submeter-se a entraves de qualquer espécie, mormente diante da notória incapacidade do poder público prover toda a população de uma assistência à saúde condigna, assumindo o setor privado, ao entrar num nicho de mercado altamente lucrativo, todos os riscos inerentes a essa atividade econômica, pois, a toda evidência, consoante a velha máxima do sistema capitalista ‘quanto maior o lucro maior o risco’”, justificou a juíza Mariana Lopes em decisão.

As sentenças favoráveis aos clientes dos planos de saúde, entretanto, não representam desrespeito a contratos livremente firmados entre as partes. Para além disso, apontam uma evolução do judiciário brasileiro no que tange a observância dos Direitos Fundamentais frente a questões consumeristas e ao Direito Civil.

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